Por
José Marlon Filgueira da Costa*
A primeira notícia de
organização social formal no Brasil se deu com o advento das capitanias
hereditárias no início da Colonização, quando D. João III concedeu, a Duarte
Coelho, a capitania de Pernambuco em 1534.
Tais capitanias foram
responsáveis por povoamentos dispersos, possibilitando a formação de núcleos de
interesses econômicos e sociais em diversas regiões da colônia. Fato que
contribuiu para formação estrutural do futuro Estado brasileiro.
Anos depois, em 1549, institui-se o sistema
de governadores-gerais com objetivo de unir o poder colonial e facilitar a
administração. Documento importante e histórico veio com o primeiro
governador-geral, Tomé de Souza, o Regimento do Governador-Geral. Tal documento
trazia as delimitações das funções, exigência no respeito às leis, forais e
privilégios, diminuindo o arbítrio e estabelecendo a ordem jurídica. O que
sinalizou, certa maneira, ainda que de forma primitiva, um esboço de carta
política. Daí sua importância.
Em 1621 a colônia divide-se no
Estado do Brasil, o qual abarcava todas as capitanias desde o Rio Grande do
Norte até São Vicente e no Estado do Maranhão, este englobando as capitanias do
Ceará até o extremo norte. Havendo, em virtude dessa divisão, uma fragmentação
e dispersão do poder político na colônia fazendo surgir centros autônomos
subordinados a poderes político-administrativos regionais e locais. Veja o que
nos esclarece acerca do assunto Silva (2002, p. 71):
Estes centros de
autoridade local, subordinados, em tese, ao governo-geral da capitania, acabam,
porém, tornando-se praticamente autônomos, perfeitamente independentes do poder
central, encarnado na alta autoridade do capitão-general. Formam-se
governículos locais, representados pela autoridade toda-poderosa dos
capitães-mores da aldeia; os próprios caudilhos locais, insulares nos seus
latifúndios, nas solidões dos altos sertões, eximem-se, pela sua mesma
inacessibilidade, à pressão disciplinar da autoridade pública; e se fazem
centros de autoridade efetiva, monopolizando a autoridade política, a
autoridade judiciária e a autoridade militar dos poderes constituídos.
Nesse cenário surge, nas zonas de
exploração agrícola, o primeiro esboço de organização municipal que influenciou,
sobremaneira, o sistema de poderes da colônia, constituindo-se como poder
local: o Senado da Câmara ou Câmara Municipal. Eram membros eleitos para tal
organização municipal os “homens bons da terra”, ou seja, os grandes
proprietários rurais. Eis aí a origem da organização municipal no Brasil.
Vimos, até então, que no período
colonial as circunstâncias vão fazendo com que as estruturas
político-administrativas de poder no Brasil tomem forma e evidencie suas
relações no delineamento das futuras estruturas do país. É bem verdade que para
atingir o objetivo desse estudo, necessário se faz o aprofundamento da
pesquisa.
Passo, então, a analisar os
períodos subsequentes da Constituição do Império à Carta Política de 1988.
A Constituição do Império, de 25
de março de 1824, previa a forma Unitária de Estado e, também, que o território
estatal fosse dividido em Províncias (art. 2º) que podiam ser subdivididas em
cidades e vilas (art. 167). Os Municípios não existiam como entidades políticas
autônomas e tampouco foram mencionados em tal Constituição.
Com a Constituição de 1891 foi
criada a Federação brasileira e transformada as Províncias em Estado, com base
no pacto federativo perpétuo e indissolúvel (art. 1º). Os Municípios foram
referidos no art. 68, Título III da Constituição: “Os Estados organizar-se-ão
de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. Apesar disso, não deram autonomia
alguma aos municípios, pois não lhe atribuíram nenhuma competência. Fica mais
claro o que está posto acerca dos municípios com as palavras de Horta (1999, p.
623):
Estados
esgotaram na amplitude de sua autonomia a organização municipal, submetendo o
Governo local aos rigores do controle hierárquico, como é visível na permitida
‘anulação das deliberações, decisões ou quaisquer outros atos das Câmaras
Municipais’, por órgãos do Estado, prática que se generalizou no Direito
Constitucional Estadual da Primeira República.
Até o momento tivemos o
reconhecimento dos municípios, porém, sem autonomia nenhuma. Mera figura
política acéfala. O que vem a mudar com o advento da Constituição de 1934 que
representou um avanço à autonomia dos municípios, protegendo-os com intervenção
federal no Estado e conferindo competência para eleger seus Prefeitos e
Vereadores, instituir os seus impostos e taxas, bem como arrecadar e aplicar as
suas rendas e organizar os serviços de sua competência (art. 13).
Começa a se delinear o status de ente federado ao Município a
partir de então. Horta (1999, p. 626) esclarece: “A técnica introduzida pela Constituição de 1934, que vem sendo
interativamente reproduzida nas Constituições ulteriores, encerra, de forma
implícita, pelo menos, a inserção do Município no plano da Federação”.
Eis que acontece um
retrocesso. A Constituição de 1937 retira parte considerável da autonomia dos
Municípios: prerrogativa de eleger diretamente seus Prefeitos, competência para
instituir impostos (CF/34, art. 13,§ 2º, IV).
Com a redemocratização do
Estado brasileiro, Constituição de 1946, abre-se novos horizontes e se
restabelece a autonomia dos Municípios aos moldes da Carta Política de 1934.
Amplia-se a competência municipal para instituir impostos, de três para cinco.
E ainda, os Municípios passam a participar nos percentuais de arrecadação de
impostos da receita federal e imposto de renda (art. 15, VI, §§ 2º e 4º). Eis
aí os primeiros passos para a concretização de fato da autonomia dos Municípios
brasileiros.
Novo retrocesso com a
Constituição de 1967, ao extinguir diversas receitas dos impostos arrecadados
pelos Municípios, além de federalizar temas municipais retirando autonomia dos
Estados para tal e deixando os Municípios sem condições para resolver seus
próprios problemas.
Surge uma nova ordem político-jurídico
no país, onde se estabelece a abertura para um novo limiar de garantias
fundamentais, estabilidade política, concretização das instituições
democráticas e harmonia social. É promulgada a Constituição de 1988.
Com essa nova Carta Política
de 1988, há uma redefinição da posição constitucional dos Municípios
brasileiros, ou seja, deu-se status aos Municípios de entidades Federativas
voltadas para assuntos de interesse local ( art. 30, I, CF/88). É o que se
depreende do art. 1º, caput, CF/88: “A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito...” e do art. 18, caput, CF/88: “A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Importante ressaltar que
ocorreu um fenômeno de criação de
Municípios com a vigência da CF/88, fomentado por parte de políticos, mesmo sem
condições, de vários Municípios criados, assumirem os encargos decorrentes da
autonomia reconhecida. O que levou os congressistas a aprovarem a EC nº 15/96,
modificando o art. 18, § 4º, impondo critérios mais restritivos para criação de
novas entidades locais, como: lei complementar federal determinando o período
para criação de novos Municípios e o conteúdo do estudo de viabilidade
municipal; aprovação por plebiscito da população diretamente interessada;
divulgação de “Estudos de Viabilidade Municipal” apresentados e publicados na
forma da lei; lei estadual criando o Município.
Começamos a ver, dessa forma,
nuances da política brasileira que não se coadunam com os interesses voltados
para a população, pois fogem completamente ao escopo republicano e democrático
do Estado brasileiro.
Apesar das mudanças trazidas
pela Constituição de 1988, elevando os Municípios a categoria de entes
federativos, possibilitando autogoverno, autoadministração, auto-organização,
fica patente a fragilidade dos Municípios no que se referem as suas finanças,
tão necessárias ao desenvolvimento e melhoramento das realidades locais.
Conforme nos esclarece Rodrigo Emanuel de Araújo Dantas, procurador da Câmara
Municipal de Natal e professor da UFRN/CERES, em artigo na Revista L & C nº
156 de julho de 2011:
Nesse
contexto, ficam comprometidas a eficiência e a presteza de suas principais
atribuições institucionais, a prestação der serviços públicos de saúde e o
ensino fundamental (art. 30, VI e VII, da CF/88). Como exigir a eficiência de
sua missão constitucional,
se o
Município fica com apenas 15% dos recursos, frente aos 25% repartidos entre os
Estados e os 60% da União Federal?
Portanto torna-se clara a
submissão e dependência dos Municípios brasileiros, principalmente, em relação
à União Federal, pois com parcos recursos viram massa de manobra nas mãos de
quem exercer o poder central e pretende se agarra ao poder, seja o partido ou
mesmo o político.
No caso do “político”, este
precisa da dependência das “bases”, ou melhor, “curral eleitoral”, para praticar
assistencialismo e proselitismo[i] político e, assim, angariar
os votos dos pobres munícipes necessitados.
Isso fica patente na história
política do nosso país ao verificarmos as idas e vindas do poder central, no
que tange à autonomia dos Municípios. Todos sabem que os Municípios têm relação
direta com sua população e, portanto, merecia mais liberdade e autonomia
financeira para melhorar a qualidade de vida dos munícipes. Assim, o Brasil
seria outro.
Nesse sentido podemos inferir o
porquê dos redentores programas sociais do governo federal, tais como: bolsa
escola, vale gás etc. e do assistencialismo de muitos políticos. Não querem
libertar o povo.
Tai a quem interessa o
enfraquecimento dos municípios brasileiros!
[i] Proselitismo: Forma de busca de membro de uma religião
para outra, utilizando mecanismos que contrariam de certo forma a ética e o
costume, bem como ferindo o respeito que deveria haver entre as religiões.
*Estudante
do 6º período de Direito/UERN
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil. 29 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito constitucional. 3ª ed.
Revisada, ampliada e atualizada. Bahia: Editora Podivm, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 20ª
ed. Ver. Amp. Atual., São Paulo: Malheiros, 2002.
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2ª ed. , ver.
Atual. Amp., Belo Horizonte: Del Rey, 1999.