sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A QUEM INTERESSA O ENFRAQUECIMENTO DO MUNICÍPIO?


                            Por José Marlon Filgueira da Costa*


            A primeira notícia de organização social formal no Brasil se deu com o advento das capitanias hereditárias no início da Colonização, quando D. João III concedeu, a Duarte Coelho, a capitania de Pernambuco em 1534.

            Tais capitanias foram responsáveis por povoamentos dispersos, possibilitando a formação de núcleos de interesses econômicos e sociais em diversas regiões da colônia. Fato que contribuiu para formação estrutural do futuro Estado brasileiro.

                Anos depois, em 1549, institui-se o sistema de governadores-gerais com objetivo de unir o poder colonial e facilitar a administração. Documento importante e histórico veio com o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, o Regimento do Governador-Geral. Tal documento trazia as delimitações das funções, exigência no respeito às leis, forais e privilégios, diminuindo o arbítrio e estabelecendo a ordem jurídica. O que sinalizou, certa maneira, ainda que de forma primitiva, um esboço de carta política. Daí sua importância.

                 Em 1621 a colônia divide-se no Estado do Brasil, o qual abarcava todas as capitanias desde o Rio Grande do Norte até São Vicente e no Estado do Maranhão, este englobando as capitanias do Ceará até o extremo norte. Havendo, em virtude dessa divisão, uma fragmentação e dispersão do poder político na colônia fazendo surgir centros autônomos subordinados a poderes político-administrativos regionais e locais. Veja o que nos esclarece acerca do assunto Silva (2002, p. 71):



Estes centros de autoridade local, subordinados, em tese, ao governo-geral da capitania, acabam, porém, tornando-se praticamente autônomos, perfeitamente independentes do poder central, encarnado na alta autoridade do capitão-general. Formam-se governículos locais, representados pela autoridade toda-poderosa dos capitães-mores da aldeia; os próprios caudilhos locais, insulares nos seus latifúndios, nas solidões dos altos sertões, eximem-se, pela sua mesma inacessibilidade, à pressão disciplinar da autoridade pública; e se fazem centros de autoridade efetiva, monopolizando a autoridade política, a autoridade judiciária e a autoridade militar dos poderes constituídos.

           


            Nesse cenário surge, nas zonas de exploração agrícola, o primeiro esboço de organização municipal que influenciou, sobremaneira, o sistema de poderes da colônia, constituindo-se como poder local: o Senado da Câmara ou Câmara Municipal. Eram membros eleitos para tal organização municipal os “homens bons da terra”, ou seja, os grandes proprietários rurais. Eis aí a origem da organização municipal no Brasil.

            Vimos, até então, que no período colonial as circunstâncias vão fazendo com que as estruturas político-administrativas de poder no Brasil tomem forma e evidencie suas relações no delineamento das futuras estruturas do país. É bem verdade que para atingir o objetivo desse estudo, necessário se faz o aprofundamento da pesquisa.

              Passo, então, a analisar os períodos subsequentes da Constituição do Império à Carta Política de 1988.

              A Constituição do Império, de 25 de março de 1824, previa a forma Unitária de Estado e, também, que o território estatal fosse dividido em Províncias (art. 2º) que podiam ser subdivididas em cidades e vilas (art. 167). Os Municípios não existiam como entidades políticas autônomas e tampouco foram mencionados em tal Constituição.

               Com a Constituição de 1891 foi criada a Federação brasileira e transformada as Províncias em Estado, com base no pacto federativo perpétuo e indissolúvel (art. 1º). Os Municípios foram referidos no art. 68, Título III da Constituição: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. Apesar disso, não deram autonomia alguma aos municípios, pois não lhe atribuíram nenhuma competência. Fica mais claro o que está posto acerca dos municípios com as palavras de Horta (1999, p. 623):



Estados esgotaram na amplitude de sua autonomia a organização municipal, submetendo o Governo local aos rigores do controle hierárquico, como é visível na permitida ‘anulação das deliberações, decisões ou quaisquer outros atos das Câmaras Municipais’, por órgãos do Estado, prática que se generalizou no Direito Constitucional Estadual da Primeira República.

               

               Até o momento tivemos o reconhecimento dos municípios, porém, sem autonomia nenhuma. Mera figura política acéfala. O que vem a mudar com o advento da Constituição de 1934 que representou um avanço à autonomia dos municípios, protegendo-os com intervenção federal no Estado e conferindo competência para eleger seus Prefeitos e Vereadores, instituir os seus impostos e taxas, bem como arrecadar e aplicar as suas rendas e organizar os serviços de sua competência (art. 13).

                Começa a se delinear o status de ente federado ao Município a partir de então. Horta (1999, p. 626) esclarece: A técnica introduzida pela Constituição de 1934, que vem sendo interativamente reproduzida nas Constituições ulteriores, encerra, de forma implícita, pelo menos, a inserção do Município no plano da Federação”.

                 Eis que acontece um retrocesso. A Constituição de 1937 retira parte considerável da autonomia dos Municípios: prerrogativa de eleger diretamente seus Prefeitos, competência para instituir impostos (CF/34, art. 13,§ 2º, IV).

                Com a redemocratização do Estado brasileiro, Constituição de 1946, abre-se novos horizontes e se restabelece a autonomia dos Municípios aos moldes da Carta Política de 1934. Amplia-se a competência municipal para instituir impostos, de três para cinco. E ainda, os Municípios passam a participar nos percentuais de arrecadação de impostos da receita federal e imposto de renda (art. 15, VI, §§ 2º e 4º). Eis aí os primeiros passos para a concretização de fato da autonomia dos Municípios brasileiros.

                Novo retrocesso com a Constituição de 1967, ao extinguir diversas receitas dos impostos arrecadados pelos Municípios, além de federalizar temas municipais retirando autonomia dos Estados para tal e deixando os Municípios sem condições para resolver seus próprios problemas.

                 Surge uma nova ordem político-jurídico no país, onde se estabelece a abertura para um novo limiar de garantias fundamentais, estabilidade política, concretização das instituições democráticas e harmonia social. É promulgada a Constituição de 1988.

                 Com essa nova Carta Política de 1988, há uma redefinição da posição constitucional dos Municípios brasileiros, ou seja, deu-se status aos Municípios de entidades Federativas voltadas para assuntos de interesse local ( art. 30, I, CF/88). É o que se depreende do art. 1º, caput, CF/88: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito...” e do art. 18, caput, CF/88: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.   

                  Importante ressaltar que ocorreu um fenômeno de criação de Municípios com a vigência da CF/88, fomentado por parte de políticos, mesmo sem condições, de vários Municípios criados, assumirem os encargos decorrentes da autonomia reconhecida. O que levou os congressistas a aprovarem a EC nº 15/96, modificando o art. 18, § 4º, impondo critérios mais restritivos para criação de novas entidades locais, como: lei complementar federal determinando o período para criação de novos Municípios e o conteúdo do estudo de viabilidade municipal; aprovação por plebiscito da população diretamente interessada; divulgação de “Estudos de Viabilidade Municipal” apresentados e publicados na forma da lei; lei estadual criando o Município.

                 Começamos a ver, dessa forma, nuances da política brasileira que não se coadunam com os interesses voltados para a população, pois fogem completamente ao escopo republicano e democrático do Estado brasileiro.

                 Apesar das mudanças trazidas pela Constituição de 1988, elevando os Municípios a categoria de entes federativos, possibilitando autogoverno, autoadministração, auto-organização, fica patente a fragilidade dos Municípios no que se referem as suas finanças, tão necessárias ao desenvolvimento e melhoramento das realidades locais. Conforme nos esclarece Rodrigo Emanuel de Araújo Dantas, procurador da Câmara Municipal de Natal e professor da UFRN/CERES, em artigo na Revista L & C nº 156 de julho de 2011:



Nesse contexto, ficam comprometidas a eficiência e a presteza de suas principais atribuições institucionais, a prestação der serviços públicos de saúde e o ensino fundamental (art. 30, VI e VII, da CF/88). Como exigir a eficiência de sua missão constitucional, se o Município fica com apenas 15% dos recursos, frente aos 25% repartidos entre os Estados e os 60% da União Federal?



             Portanto torna-se clara a submissão e dependência dos Municípios brasileiros, principalmente, em relação à União Federal, pois com parcos recursos viram massa de manobra nas mãos de quem exercer o poder central e pretende se agarra ao poder, seja o partido ou mesmo o político.

              No caso do “político”, este precisa da dependência das “bases”, ou melhor, “curral eleitoral”, para praticar assistencialismo e proselitismo[i] político e, assim, angariar os votos dos pobres munícipes necessitados.

             Isso fica patente na história política do nosso país ao verificarmos as idas e vindas do poder central, no que tange à autonomia dos Municípios. Todos sabem que os Municípios têm relação direta com sua população e, portanto, merecia mais liberdade e autonomia financeira para melhorar a qualidade de vida dos munícipes. Assim, o Brasil seria outro.

              Nesse sentido podemos inferir o porquê dos redentores programas sociais do governo federal, tais como: bolsa escola, vale gás etc. e do assistencialismo de muitos políticos. Não querem libertar o povo.

              Tai a quem interessa o enfraquecimento dos municípios brasileiros!



[i] Proselitismo: Forma de busca de membro de uma religião para outra, utilizando mecanismos que contrariam de certo forma a ética e o costume, bem como ferindo o respeito que deveria haver entre as religiões.
*Estudante do 6º período de Direito/UERN




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.


JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito constitucional. 3ª ed. Revisada, ampliada e atualizada. Bahia: Editora Podivm, 2009.


SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed. Ver. Amp. Atual., São Paulo: Malheiros, 2002.


HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2ª ed. , ver. Atual. Amp., Belo Horizonte: Del Rey, 1999.














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