Não há santo no universo da administração pública. Sem exceção, todos os entes federados – Municípios, Estados e União – detêm cotas generosas de culpa pelas mazelas que impedem milhões de brasileiros de ter acesso de qualidade aos serviços públicos de que necessitam.
Por uma questão de justiça, porém, convém explicar qual a dimensão desta culpa no que diz respeito a um dos setores mais críticos do País: a saúde pública. A corrupção, em todas as esferas de governos, é uma das óbvias causas da crise do setor. Mas há outras, igualmente graves.
Uma delas é a existência de um descomunal abismo na proporção de investimentos feitos pelos entes federados na saúde. A CNM (Confederação Nacional de Municípios) e as associações estaduais de municípios desenvolvem um trabalho ingrato, porque refratário à grande mídia, para mostrar esta realidade.
Uma das suas bandeiras é a cobrança, junto ao Congresso Nacional, do término do processo de regulamentação da Emenda 29. A matéria, que tramita no Congresso Nacional há quatro longos anos, define uma contrapartida mais justa dos entes federados nas suas obrigações relativas à saúde.
Hoje, segundo a Constituição Federal de 1988, os municípios têm de investir no mínimo 15% da sua receita corrente líquida em saúde, sob pena de sofrerem pesadas denúncias dos promotores públicos e reprimendas dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados.
Não é pouca coisa. De acordo com a CNM, apenas entre os anos de 2000 e 2009 (último dado disponível), os 5,5 mil municípios brasileiros investiram cerca de R$ 100 bilhões a mais que o volume de recursos determinado pela Emenda 29; aplicaram R$ 295,1 bilhões, mas deveriam ter investido R$ 194,6 bilhões. No caso dos Estados e da União, ocorreu o contrário.
Os Estados são obrigados a investir 12% em saúde, mas os números da CNM denunciam que isto esteve longe de ocorrer. Os governadores investiram R$ 292,9 bilhões entre os anos de 2000 e 2009, mas deveriam ter aplicado R$ 299,7 bilhões. A diferença a menos foi de R$ 6,8 bilhões.
Além disso, os Estados utilizam manobras ardis para se livrar do fardo. Uma delas é rotular de investimentos em saúde despesas relativas a saneamento básico. Em 2008, por exemplo, apenas quatro Estados declararam ao Siops (o sistema de informações o Ministério da Saúde que faz este tipo de acompanhamento) que não cumpriram o mínimo constitucional para o setor. Considerando-se as manobras contábeis feitas por 22 Estados, a diferença em investimentos em saúde foi de R$ 3,1 bilhões em 2008.
No caso da União, que por lei é obrigada a investir 10% da sua receita em saúde, a diferença a menos em investimentos foi ainda mais gritante. Chegou a R$ 17,6 bilhões. De 2000 a 2009, o governo federal deveria ter aplicado R$ 493,4 bilhões, mas gastou R$ 475,8 bilhões.
Há outros aspectos a abordar em relação ao custeio da saúde, mas os números citados acima bastam para contradizer os argumentos, tão ao gosto dos governos estadual e federal, de quem têm feito tudo o que podem para equacionar os problemas do setor. Mesmo considerando-se a inegável corrupção e incompetência existentes em muitos municípios, há outros culpados – de estatura política bem maior que os prefeitos – pelos crimes cometidos contra a saúde pública brasileira.
Não é um boa rota de fuga mentir à opinião pública para se livrar das suas responsabilidades, sobretudo quando se tem dados como os que a CNM apresenta à opinião pública. “Pode contar seus segredos ao vento, mas depois, não vá culpá-lo por contar tudo às árvores”, ensinava o mestre Khalil Gibran.
Aurélio Munhoz no Twitter: http://twitter.com/aureliomunhoz
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